Prolapso de valva mitral (PVM) acomete cerca de 1 a 3% da população. Frequentemente é considerado benigno, porém as formas graves arritmogênicas podem ter múltiplas apresentações, tornando-se um desafio diagnóstico. PVM associada a arritmias ventriculares originadas no musculo papilar ou relacionadas a parede inferior são as mais frequentes, acometem mais mulheres jovens, com prolapso de ambas as cúspides e estão associadas a um risco maior de morte súbita. As manifestações clínicas se assemelham a outras arritmias ventriculares complexas, o que torna difícil a diferenciação entre elas, como descrito no caso a seguir:
Paciente feminina, 58 anos, com antecedente de PVM com insuficiência mitral moderada, deu entrada em nosso serviço com queixa de dispneia aos esforços e palpitações. Eletrocardiograma evidenciou taquicardia ventricular (TV), com padrão de fascicular, sem critérios de instabilidade hemodinâmica. A arritmia foi revertida com amiodarona. Ecocardiograma transtorácico confirmou prolapso mitral de cúspide anterior, com espessamento das cúspides, falha de coaptação central, refluxo mitral moderado a importante, aumento de camaras esquerdas e disfunção ventricular esquerda discreta, às custas de hipocinesia difusa. Ressonancia magnética cardíaca descartou fibrose e disjunção anulo-mitral. Para caracterizar o mecanismo da arritmia, realizamos estudo eletrofisiológico que identificou um mecanismo de reentrada no fascículo posterior do ramo esquerdo. Realizada ablação com sucesso. A paciente evoluiu com melhora dos sintomas, recuperação da função ventricular e redução da regurgitação mitral.
TV fascicular pode ocorrer tanto em corações estruturalmente normais quanto nas cardiopatias. Portadores de PVM apresentam com maior frequência arritmias ventriculares associadas ao musculo-papilar, porém podem apresentar outras arritmias ventriculares complexas como no caso descrito. A diferenciação é importante e pode ser decisiva na tomada de decisão terapêutica desses casos.