A intoxicação cumarínica é uma complicação temida, podendo ter repercussões fatais. Na maior parte dos casos é um efeito adverso facilmente identificado e corrigido após administração de reversores. Algumas situações, contudo, podem ser desafiadoras ao cardiologista, de difícil diagnóstico, no qual o retardo ao tratamento pode trazer desfechos irreversíveis. O presente relato objetiva trazer uma condição rara associada à intoxicação cumarínica. Trate-se do caso de um paciente de 51 anos, portador de prótese valvar mecânica mitral, secundária à valvopatia de etiologia reumática, admitido em Unidade de Emergência Cardiológica referenciada devido a quadro de dor abdominal, em cólica, difusa de forte intensidade, associado à distensão abdominal e constipação. Ao exame físico admissional, apresentava dor abdominal difusa à palpação e sinais de irritação peritoneal. Exames laboratoriais evidenciaram INR de 8,3.
Diante da suspeita de abdome agudo, solicitado avaliação em conjunto com equipe da cirurgia geral e realizado exames de imagem abdominal. A tomografia evidenciou espessamento circunferencial associado a dilatação de segmento jejunal na região do hemiabdome esquerdo, além de com pequena quantidade de líquido livre intra-abdominal sugerindo conteúdo hemático e discreta distensão de alças.
Feita a hipótese de hematoma de jejuno em contexto de intoxicação cumarínica. Além da suspensão imediata da medicação, foram prescritas 2 unidades de plasma fresco congelado, 10 mg de Vitamina K endovenosa e analgesia adequada. Não foi indicada cirurgia de urgência. O paciente evoluiu favoravelmente após medidas clínicas, com resolução total da dor nas primeiras 24h, possibilitando retorno da dieta oral. Após 5 dias de internação, o paciente recebeu alta com varfarina em dose baixa e acompanhamento de RNI a nível ambulatorial.
O hematoma intestinal espontâneo é uma complicação incomum devido ao uso de anticoagulantes orais, sendo a prevalência descrita em literatura de 1:2500. A manifestação clínica mais comum é a dor abdominal e como muitas vezes não está associada a sangramentos visíveis é necessária uma alta suspeição clínica para estabelecer o diagnóstico.